quinta-feira, 26 de abril de 2012

Tirando o Sangue


Acabei de chegar do meu exame de sangue, uma agenda semestral que tenho no Hospital das Clinicas, uma sala repleta de pessoas em filas e sentadas, cada um esperando por sua vez. Nos últimos minutos da minha espera, agora sentada já na boca do atendimento, de onde se pode ver algumas pessoas nos vários ‘cantos’ com seus atendentes e seus sangues sendo retirados, meu olhar se deteve nas costas de uma cadeira de rodas, com um travesseirinho aparecendo. Havia algumas pessoas ao redor, era possível perceber uma certa preocupação. Comentários que passaram rapidamente pelos meus ouvidos me fizeram entender que não estavam conseguindo “encontrar aquela veia” para retirar aquele sangue. Quando enfim a retirada do meu sangue foi finalizada, atendida por uma moça morena bonita e simpática – que inclusive se interessou pelo livro que estava em minhas mãos – me dirigi para sair. Os passos me levavam obrigatoriamente a passar ao lado daquela cadeira de rodas em direção a porta de saída. Olhei, parei, e vi uma mocinha muito jovem magrinha, cabeça raspada, com aquele típico azulado de ‘barba serrada’, tinha algo de Sinead O’Connor. A dor estampada em seu rosto me veio como um golpe dilacerando minhas emoções. Era uma expressão de choro, tão sem força, com o bracinho avermelhado estendido e segurado por uma ‘atendente/enfermeira’ e outras apoiando, virando, apalpando – procurando a veia. Seu rosto e seu corpinho expressava a recusa, como se estivesse cansada de tanta dor, completamente fragilizada. Não pude continuar olhando, apesar da curiosidade, uma sensação de impotência, de não querer que meu olhar incomodasse e contribuísse ainda mais com aquela dor, me encaminhei para a saída. No corredor próximo a escada e elevadores, parei, respirei. Aquela imagem se instalou forte em minhas emoções, uma imagem de dor cansada misturada com sua beleza fragilizada me encheu os olhos de lagrimas. Não foi possível deixar de lembrar – apesar de não caber uma comparação – da minha gatinha adoecida, no dia em que decidi levá-la para o sacrifício. Seu corpinho fragilizado, sem forças, seu bracinho também  manipulado para encontrar a veia. Infelizmente não foi possível encontrar a veia, e uma agulha entrou em seu coração... eu só pude ouvir três respirações, suas ultimas três ‘recusas’ ou ‘alívio’.  Eu ainda não sei.
Esses golpes, de alguma forma nos empurram para valorizar o que temos, e se temos, devemos ser responsáveis por algo a ser dado, deixado, doado, compartilhado, contributivo ao ser humano.

sábado, 7 de abril de 2012

A partir de um Relatório, ou Psicodrama

Relatório de aula do dia  02/04/2012:
"Papéis"
No livro ‘Lições de Psicodrama’, p. 68, “A Origem dos Papéis na Matriz de Identidade” , compreende três fases – já criadas em capítulos  anteriores – mas aqui indicadas para o surgimento dos papéis: (Matrizes de Identidades Totais indiferenciada e diferenciada, e de Brecha).

Constato que seus detalhamentos no estudo me agrada, me identifico, e vem ao encontro do meu entendimento e pesquisa no estudo de atriz, principalmente nesta terceira fase que vai englobar o desempenhar dos papéis e culminar na espontaneidade. Os ‘papéis’ estudados por Moreno são intrinsecamente relacionados com os ‘papéis’ desenvolvidos no teatro. E que, obviamente, o teatro (os atores) os estuda na vida. – Aliás, a base do estudo desenvolvido por Moreno veio da sua experiência com o teatro, conforme relatado no livro.

Entramos então, na outra parte complementar sobre o desenvolvimento e desempenho dos vários papéis. A professora exemplificou uma situação em que alguém ganha uma calça; para demonstrar as seguintes três fases: 1. Role-taking “tomada do papel ou adoção do papel, que consiste em simplesmente imitá-lo a partir dos modelos disponíveis.” , 2. Role-playing “é o jogar o papel, explorando simbolicamente suas possibilidades de representação” e 3. Role-creating “é o desempenho do papel de forma espontânea e criativa”. 

Percebo que estas três etapas na fase adulta, e portanto papéis sociais e psicossomáticos, estão relacionadas com as três etapas das Matrizes citadas anteriormente (Identidades Totais e de Brecha).

Foi muito interessante o exemplo simples da calça – dado pela professora,  para transmitir o mesmo conteúdo e compreensão (comparado por mim, ao teatro/ator) à um grupo de pessoas com conhecimentos variados e não exatamente em teatro: 1. conhecer bem a calça, observar o tamanho para saber se é seu número – o personagem esta fora do ator, o ator estuda o personagem; 2. vestir a calça, sentir se serviu, sua flexibilidade – o ator tenta sentir o personagem, o articula, verifica; e 3. começa a enfeitar a calça – o ator se apropria do personagem, se diverte.

Conforme comentei na sala de aula, a terceira fase (Role-creating) me fascina, é a grande busca do ator, o divertimento, o prazer no palco, a total apropriação do personagem, o desengessamento de todo o processo de estudo. E que se traduz perfeitamente no aqui e agora –hic et nuc em latim, no desencadear respostas a partir da sensibilidade disponível e percepção interna mútua entre dois indivíduos na relação télica, dos estudos do J.L.Moreno.
As três fases do estudo (Role-taking, Role-playing, Role-creating) já foram, obviamente, e vem sendo exploradas por vários estudiosos do teatro, com base lá em Constatin Stanislavski – 1905, neste ano Moreno tinha dezesseis anos.

Não me recordo (se estiver no livro) e não encontrei em uma rápida procura, se o Moreno em algum momento estudou com Constatin Stanislavski, ou com algum de seus discípulos. E percebo que Augusto Boal (pela comparação das datas) pode ter tomado conhecimento dos estudos do Moreno. Boal veio anos depois, e tem muito processo de estudos semelhantes, principalmente sobre o Teatro Jornal. – por hora supri a necessidade do relatório, mas a pesquisa continua.


Concluindo

Exatamente por esse vasto e enorme trabalho do ator em estudar vários tipos de personagens é que acredito na grandeza dessa profissão em favorecer a evolução desse ser humano, em capacitá-lo ao entendimento e compreensão de outros seres humanos, capacitá-lo a se colocar no lugar do outro. Por isso todo método que se utilize da atividade teatral, dentro desses procedimentos de estudos, só pode contribuir para a evolução e melhoria de qualquer ser humano em qualquer profissão ou status social. É de uma riqueza maravilhosa o passo a passo dos estudos do J.L.Moreno, e sua visão para direcionar metodologicamente e psicologicamente ao que lhe interessava, como optou depois, pela exclusão da necessidade do texto decorado.

Bibliografia:
GONÇALVES, C. Salles; WOLFF, José Roberto; ALMEIDA, W. Castello, ‘LIÇÕES DE PSICODRAMA’, Introdução ao Pensamento de J.L.Moreno – São Paulo, Ágora, 10ª Edição.