Acabei de chegar do meu exame de sangue, uma agenda
semestral que tenho no Hospital das Clinicas, uma sala repleta de pessoas em
filas e sentadas, cada um esperando por sua vez. Nos últimos minutos da minha
espera, agora sentada já na boca do atendimento, de onde se pode ver algumas
pessoas nos vários ‘cantos’ com seus atendentes e seus sangues sendo retirados,
meu olhar se deteve nas costas de uma cadeira de rodas, com um travesseirinho
aparecendo. Havia algumas pessoas ao redor, era possível perceber uma certa
preocupação. Comentários que passaram rapidamente pelos meus ouvidos me fizeram
entender que não estavam conseguindo “encontrar aquela veia” para retirar
aquele sangue. Quando enfim a retirada do meu sangue foi finalizada, atendida
por uma moça morena bonita e simpática – que inclusive se interessou pelo livro
que estava em minhas mãos – me dirigi para sair. Os passos me levavam
obrigatoriamente a passar ao lado daquela cadeira de rodas em direção a porta
de saída. Olhei, parei, e vi uma mocinha muito jovem magrinha, cabeça raspada,
com aquele típico azulado de ‘barba serrada’, tinha algo de Sinead O’Connor. A
dor estampada em seu rosto me veio como um golpe dilacerando minhas emoções.
Era uma expressão de choro, tão sem força, com o bracinho avermelhado estendido
e segurado por uma ‘atendente/enfermeira’ e outras apoiando, virando, apalpando
– procurando a veia. Seu rosto e seu corpinho expressava a recusa, como se
estivesse cansada de tanta dor, completamente fragilizada. Não pude continuar
olhando, apesar da curiosidade, uma sensação de impotência, de não querer que
meu olhar incomodasse e contribuísse ainda mais com aquela dor, me encaminhei
para a saída. No corredor próximo a escada e elevadores, parei, respirei. Aquela
imagem se instalou forte em minhas emoções, uma imagem de dor cansada misturada
com sua beleza fragilizada me encheu os olhos de lagrimas. Não foi possível
deixar de lembrar – apesar de não caber uma comparação – da minha gatinha
adoecida, no dia em que decidi levá-la para o sacrifício. Seu corpinho
fragilizado, sem forças, seu bracinho também manipulado para encontrar a veia. Infelizmente não foi
possível encontrar a veia, e uma agulha entrou em seu coração... eu só pude
ouvir três respirações, suas ultimas três ‘recusas’ ou ‘alívio’. Eu ainda não sei.
Esses golpes, de alguma forma nos empurram para
valorizar o que temos, e se temos, devemos ser responsáveis por algo a ser dado,
deixado, doado, compartilhado, contributivo ao ser humano.